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Quais pontos podem ser questionados no projeto que amplia a isenção de IR? Tributaristas respondem

Por Agência O Globo - 03/10/2025
Quais pontos podem ser questionados no projeto que amplia a isenção de IR? Tributaristas respondem
Imposto de renda. (Foto: Foto: Agência Brasil.)

Advogados tributaristas avaliam que a taxação de dividendos no exterior e a alíquota mínima, que é gradual e vai incidir sobre os mais ricos (com renda anual de R$ 600 mil, podendo chegar a 10% para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão) são os pontos do projeto de lei do Imposto de Renda aprovado pela Câmara que mais tendem a provocar ruído e reclamações.

Isso porque o Brasil não tributava a distribuição de lucros e dividendos, o que, segundo os especialistas, acabava sendo um atrativo para o investimento estrangeiro.

— A alíquota de 10% de Imposto de Renda na fonte sobre lucros e dividendos remetidos ao exterior representa uma quebra de paradigma. Essa mudança pode ser vista como um fator de desestímulo ao capital externo, gerando reclamações de investidores internacionais e de empresas com participação estrangeira, que terão seus retornos líquidos reduzidos — explica Morvan Meirelles Costa Junior, sócio do Meirelles Costa Advogados.

Ele destaca a complexidade do mecanismo de créditos para não residentes, que depende de regulação futura, além do prazo para sua execução, de 360 dias, como geradores de incerteza.

— A incidência do IR na fonte sobre dividendos pagos a investidores estrangeiros vai gerar debate. As multinacionais vão sofrer. Haverá um retorno menor diante da carga tributária maior. Dos lucros que remeteria, 10% vão ficar retidos. Associações comerciais bilaterais já vêm se pronunciando sobre isso — diz Hermano Barbosa, sócio tributarista do BMA Advogados.

O tributarista José Luis Ribeiro Brazuna, sócio do escritório Bratax, alerta que o crédito ao investidor que vive fora do país passou a ser tratado com um regime “opcional” no texto aprovado pela Câmara. Com isso, se a regulação não vier, continua ele, há o risco desse investidor acabará não conseguindo exercer essa “opção” e recuperar parte do imposto retido.

Já Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds (Reino Unido) e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades/USP, avalia que essa taxação de dividendos não afetará investimentos no país:

— A recuperação dos créditos vai depender também de como cada país vai tratar, se vão compensar por lá ou não. Mas já é algo que estava nos cálculos. Nada indica que um investidor, uma multinacional vai deixar o Brasil.

Para Costa Junior, entretanto, o ponto mais sensível das mudanças no IR é a taxação dos mais ricos, com alíquota alcança 10% para renda de R$ 1,2 milhão ao ano. A medida atinge um público que, muitas vezes, utilizava estruturas legais para “otimizar” sua carga tributária, valendo-se de rendimentos isentos ou tributados exclusivamente.

— A inclusão de diversos tipos de rendimentos (como alguns financeiros) na base de cálculo dessa tributação mínima alterará drasticamente o planejamento financeiro e tributário de muitas pessoas com alta renda. A percepção de que rendimentos já tributados ou isentos estão sendo “bitributados” ou “tributados novamente” será um forte ponto de descontentamento — explica, lembrando que essas duas novidades podem ter impacto inclusive no planejamento sucessório e patrimonial de famílias mais ricas. — Estruturas que antes eram eficientes para a transmissão de bens e rendas precisarão ser revistas.

Em paralelo, Francisco Leocádio, sócio do escritório Souza Okawa, avalia que a nova tributação assegura proteção em relação aos lucros já auferidos até 2025, era uma das principais preocupações dos contribuintes. Isso evitará efeito retroativo na cobrança de imposto.

— Nesse aspecto, o projeto aprovado na Câmara representa um avanço em relação às versões iniciais — diz ele.

Ao mesmo tempo, a não tributação de lucros aprovados até 31 de dezembro de 2025 cria uma janela de oportunidade que pode levar a uma corrida de “distribuições de lucro”. Embora legal, dizem os tributaristas, isso pode gerar impacto no fluxo de caixa das empresas, por exemplo.

Mas, mesmo em relação à distribuição de lucros e dividendos apurados a partir de 2026, a expectativa dos advogados é que os contribuintes continuem buscando estratégias que possam minimizar o impacto dessa oneração. Isso deve provocar conflitos com a Receita Federal, caso se entenda que houve distribuição disfarçada de lucros, lembra o advogado Alessandro Borges, sócio do Benicio Advogados.

Os tributaristas afirmam que que a abrangência da base de cálculo da tributação mínima também pode gerar dúvidas de interpretação. Eles observam que, embora o projeto liste diversas exclusões — como rendimentos de poupança, LCI, LCA, CRI, Fiagro/FII com 100 cotistas —, a regra geral de incluir “todos os rendimentos recebidos no ano-calendário” (inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva e os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida) na base de cálculo acaba criando certo ruído.

Na prática, dizem, a Receita Federal terá um grande desafio em emitir normativos claros, que detalhem o tratamento de cada tipo de rendimento e as exclusões, evitando imprecisões que levem a questionamentos judiciais.

Heitor Cesar Ribeiro, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, observa que os ganhos rurais acabaram tendo uma tributação mais favorável do que o IR mínimo. Por exemplo, para cálculo da renda anual de R$ 600 mil poderão ser compensados prejuízos de anos anteriores.

Além disso, atualmente, a renda da atividade rural tributada corresponde a 20% do resultado da operação no ano. O produtor deduz de suas receitas, as despesas e investimentos do período para chegar a esse resultado. E isso foi mantido no projeto. Somente esses 20% do resultado entrarão na base de cálculo da tributação mínima.

Ele pode também optar por uma base presumida, aplicando 20% sobre a receita bruta recebida durante o ano.

— Caso adote a base presumida, a tributação mínima do IR alcançará a parcela que exceder a 20% de sua receita bruta. Assim, na prática, a tributação mínima alcançará somente o produtor rural que tenha auferido receita bruta superior a R$ 3 milhões no ano, após a compensação de prejuízos de anos anteriores — calcula o advogado.

— Os produtores rurais temiam que a taxação fosse sobre o faturamento, mas será sobre o lucro. E faz sentido porque é uma atividade de muita flutuação em preços e insumos.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) comemorou a inclusão de emendas sugeridas pela entidade no PL do IR que evitarão perdas de cerca de R$ 40 bilhões para os orçamentos municipais. Entre elas, por exemplo, está uma mudança na emenda 589, que corrige a calibragem da alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estadual e municipal.

Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado havia adotado para esta calibragem a receita de ICMS e ISS referentes aos anos de 2012 a 2021, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Pelos cálculos da CNM, isso reduziria a receita própria dos municípios dos atuais R$ 157 bilhões para cerca de R$ 120 bilhões.

Já o texto aprovado no plenário do Senado, e votado pela Câmara, incluiu a sugestão da CNM estabelecendo que a calibragem das alíquotas do IBS tivesse como referência a receita média de ICMS e ISS no período de 2024 e 2026, igualmente em proporção do PIB, evitando as perdas apontadas pela entidade.

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