Análise: Trump abriu uma porta, mas Brasil deve atuar com cautela e pragmatismo
Diplomatas americanos acreditam que mudança de tom do presidente americano pode estar relacionada a pressões do setor privado dos EUA

Pragmatismo, preparação e permanente estado de alerta. Diplomatas americanos que acompanham os movimentos e ações do presidente fazem essas três recomendações principais ao presidente brasileiro, Luiz Inácio da Silva, após o encontro entre os dois chefes de Estado na sede das Nações Unidas, e a posterior fala de Trump em tom cordial sobre o brasileiro e antecipando um futuro encontro entre ambos.
Na visão desses diplomatas, a mudança de tom do republicano, reconhecida pelo assessor internacional da Presidência, embaixador Celso Amorim, poderia ser explicada por uma maior influência de setores que fazem uma avaliação negativa do tarifaço imposto ao Brasil pelos EUA em julho passado. Seriam, na visão de Ricardo Zúñiga, que foi conselheiro político na embaixada americana em Brasília e cônsul dos EUA em São Paulo, e Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil e ex-subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, representantes do setor privado americano, afetados indiretamente pela ofensiva de Trump contra o Brasil.
— Desde o começo, tive a opinião de que Trump se enganou ao aliar-se com Eduardo Bolsonaro. Ele nunca admitirá que errou, mas buscará uma solução para sair dessa confusão. Nos últimos tempos, muitas vozes falaram ao presidente sobre esse erro — aponta Shannon.
Agora, o melhor que Lula pode fazer, frisou Shannon, “é se encontrar com Trump. Tudo correrá bem, Lula não é [Volodymyr] Zelensky, saberá se defender”. O que Shannon considera “uma primeira vitória do Brasil, sobretudo por como reagiu ao tarifaço”, deve ser seguido de uma reunião à qual Lula deve chegar preparado, e sabendo que se Trump o maltratar isso terá enorme impacto negativo no mundo”. Mas todo cuidado é pouco, quando se trata de Trump, admitiu o embaixador americano.
Para Zúñiga, “Trump não pode tramar uma emboscada, porque o Brasil já sabe que deve ir preparado. O crucial é ter uma agenda pragmática”.
— Não se resolverá tudo, mas alguns temas podem melhorar. O que o Brasil não pode é improvisar — acrescentou Zúñiga.
Está claro que houve uma mudança no olhar de Trump sobre o Brasil. O mais provável é que o setor privado americano, que está sofrendo as consequências do tarifaço, tenha muito a ver com essa mudança. A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro também é um fator a ser considerado, lembrando que Trump não gosta de aliar-se a perdedores. Soltar a mão de Bolsonaro não parece ser um problema para o presidente americano que, como de costume, prioriza interesses econômicos — próprios e de seus sócios.
Muitos desses sócios, afirma Zúñiga, podem estar argumentando que com a condenação de Bolsonaro essa batalha foi perdida, e que chegou a hora de assumir que os EUA precisam buscar uma aproximação com Lula. Mas o otimismo não deve tomar conta do governo brasileiro. Com Trump, cautela é sempre necessário. O presidente americano já colocou em saias justas vários chefes de Estado do mundo, entre eles o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que após ser recebido em clima cordial por Trump enfrentou um tarifaço contra seu país.
— Trump é imprevisível, e isso é visto como uma vantagem por seus assessores. O Brasil deve saber que vai se expor a um show, e que Trump sempre quer aparecer como vitorioso em qualquer negociação — assegura o ex-cônsul americano em São Paulo.
Houve uma abertura por parte de Trump — não necessariamente apoiada por setores de seu governo, como o Departamento de Estado — e o Brasil precisa aproveitar essa oportunidade. Os 39 segundos que, de acordo com o presidente americano, durou o encontro entre os dois chefes de Estado, foram suficientes para abrir uma porta que durante mais de dois meses esteve fechada para o Brasil. Segundo fontes do governo brasileiro, o encontro entre Lula e Trump foi “cordial”, e presenciado por pouquíssimas pessoas, entre elas o embaixador Fernando Igreja, chefe do cerimonial do Palácio do Planalto.
Amorim disse que não ficou surpreso com a fala de Trump, mas sim que “não esperava” ouvir elogios do republicano ao presidente brasileiro.
— Na bancada da Assembleia Geral o presidente Lula comentou que ambos tinham se cumprimentado cordialmente, e que se falou em conversar — contou o assessor presidencial. Até ontem, nenhuma viagem de Lula a Washington estava sendo organizada.
Na visão de Amorim, é preciso “ver no que isso vai dar, mas, em si, é positivo”.
— Falar em “nice guy” (cara legal, em tradução livre), é uma mudança de tom. Como isso vai repercutir nas pessoas que tomam decisões é outra coisa. Houve problemas graves com a mulher de [Alexandre] de Moraes, e vários outros. Não sei como isso vai se alastrar na política — acrescentou Amorim.
Perguntado sobre se recomendaria um encontro no Salão Oval, na Casa Branca, Amorim disse que “é preciso ver”:
— Não sei como será, e se será dessa maneira, é preciso ver. Ninguém colocará pré-condições, tem que ver
Ficou claro que Trump tem outros interesses no Brasil, e não apenas o presente e futuro de Bolsonaro. A situação das grandes plataformas é uma de suas preocupações. Os minerais críticos são de enorme interesse para os EUA. O que ainda não está claro é como todos esses elementos serão equacionados pelo presidente americano.
Shannon não acredita que haverá recuo em matéria de implementação da Lei Magnitsky, uma legislação dos EUA aprovada inicialmente em 2012, durante o governo de Barack Obama, que permite a aplicação de sanções econômicas e restrições de visto contra estrangeiros acusados de corrupção significativa ou graves violações de direitos humanos. Esse recurso tem sido usado contra magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles o juiz Alexandre de Moraes.
A única certeza, até o momento, é que em matéria de soberania e defesa da não ingerência de outros países em questões internas do Brasil o presidente Lula não está disposto a ceder nem um milímetro, garantiram fontes oficiais.