Videogames x redes sociais: saiba os impactos no cérebro e na cognição

Com conteúdo inesgotável e um algoritmo preparado para atender às suas expectativas, o celular prontamente gera pequenos prazeres através da dopamina, neurotransmissor produzido no cérebro. Rolar a tela sem controle possui efeitos negativos comprovados cientificamente. Entretanto, um artifício antes mal visto por parte das pessoas, hoje é fuga para quem quer se divertir e exercitar a capacidade cognitiva.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Tecnologia de Swinburne, na Austrália, descobriu que videogames estão associados ao aumento do foco, enquanto mídias sociais estão relacionadas à diminuição dele.
Publicado no Scientific Reports, o estudo revelou que os níveis de hemoglobina oxigenada (HbO) aumentaram mais após o uso das redes, enquanto os de hemoglobina desoxigenada (HbR) subiram depois de jogar. Na segunda situação, o cérebro estava usando ativamente mais do oxigênio que recebia.
“Essas descobertas sugerem que tipos interativos de entretenimento realmente deixam o cérebro mais envolvido", diz Alexandra Gaillard, autora principal do estudo.
O estigma em relação aos jogos surgiu anos atrás, associado ao vício, ao isolamento social e, em alguns casos, à violência. Para Amanda Bastos, neuropsicóloga, ainda existem resquícios desse preconceito — mais sutis que antes — em algumas gerações que cresceram ouvindo críticas sobre o ato de jogar.
Rogério Panizzutti, neurocientista e coordenador do Laboratório de Neurociência e Aprimoramento Cerebral da UFRJ, atribui a “alienação” como outro fator responsável por essa percepção.
— Hoje, mesmo que o adolescente esteja isolado no quarto, muitas vezes ele está jogando com amigos ou com pessoas que conheceu através do jogo, formando um grupo social. Isso desmistificou a ideia de que o videogame precisava ser algo negativo — afirma o especialista.
De acordo com Amanda, o cenário atual é diferente no âmbito da psicologia cognitiva e da neurociência. Hoje, os videogames auxiliam na avaliação de funções cognitivas e neuropsicológicas, em uma estratégia de gamificação.
— É possível avaliar funções executivas e cognitivas, como tomada de decisão, planejamento, resolução de problemas e engajamento com a tarefa — explica.
No cotidiano, os elementos dos jogos ajudam a estimular a concentração e aumentar a atividade da região do córtex pré-frontal dorsolateral. Amanda destaca o fato do jogador receber uma resposta imediata — seja visual ou auditiva — em relação ao seu desempenho.
Em contrapartida, as redes sociais, por serem caracterizadas por seu consumo imediato, aumentam a produção de dopamina e ativam no cérebro mecanismos de condicionamento, que incentiva o consumidor a continuar procurando conteúdos.
— O videogame também ativa essa região, mas costuma ter fases, um tempo de jogabilidade maior e exige algum grau de interação com a tarefa. Você não fica passivamente assistindo: participa ativamente — destaca Amanda.
Guilherme Nery, estudante de 28 anos, joga desde os 6. O interesse surgiu a partir do incentivo do pai, que possuía os tão conhecidos consoles de videogame Atari e MegaDrive. A paixão dura até hoje, e o jovem costuma jogar todos os dias, de 2 a 3 horas. Quando está com os amigos, ultrapassa 5 horas.
— Jogando, me sinto entretido e fazendo um bom uso do meu tempo. Costumo dizer que, se eu ficar um dia sem jogar, não tenho lazer — afirma.
Entre seus jogos favoritos estão os de FPS (First-Person Shooter, ou Tiro em Primeira Pessoa), futebol e aqueles com as melhores histórias. Para ele, os que envolvem armas auxiliam mais no foco, visto que a atenção é crucial. Além disso, afirma que jogos online também contribuem para sua comunicação.
— Você precisa ficar atento para acertar os outros jogadores e se sair bem nas pontuações — destaca Guilherme. — Jogos que demandam trabalho em equipe aprimoram a minha habilidade de comunicação, a organização para alcançar e cumprir objetivos.
O jovem compartilha que o tempo investido em jogos é muito mais benéfico do que aquele gasto nas redes sociais. Ressalta que os sentimentos obtidos ao utilizá-las nem sempre são positivos, o que ele define como um “misto de humor e conhecimento exagerado da vida alheia”.
Equilíbrio é a chave
Os resultados da pesquisa australiana corroboram para a preocupação quanto aos efeitos em crianças e jovens adultos, cujos cérebros ainda não estão totalmente desenvolvidos. Rogério Panizzutti alerta que, mesmo com benefícios, é preciso maneirar no uso.
— O estímulo à atividade física e à socialização é fundamental. Entre 4 e 8 anos, o cérebro motor se desenvolve, e se a criança passa muito tempo apenas jogando, suas habilidades físicas podem ficar prejudicadas. Já o cérebro social se desenvolve na adolescência, e se o jovem se isola nos jogos, suas capacidades sociais podem ser atrasadas — ressalta.
Com equilíbrio, é possível garantir apenas os efeitos positivos dos videogames.