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País deixa de arrecadar R$ 200 bi por ano por distorções na cobrança de impostos, aponta estudo

Relatório do Ipea sugere tributação de dividendos e revisão de regimes especiais das empresas. Ajustes na regra do lucro presumido podem recuperar até R$ 11 bilhões anuais

Por Agência O Globo - 10/07/2025
País deixa de arrecadar R$ 200 bi por ano por distorções na cobrança de impostos, aponta estudo
Arrecadação tributária anual deve aumentar em R$ 37,7 bilhões (Foto: Agência Brasil)

O governo deixa de arrecadar, por ano, cerca de R$ 200 bilhões por conta de distorções legais nas regras de cobrança de impostos. A estimativa consta em estudo assinado pelo economista Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado ao Ministério do Planejamento e Orçamento, publicado nesta quinta-feira.

A perda bilionária decorre da baixa tributação sobre empresas beneficiadas pelos regimes especiais do Simples Nacional e do lucro presumido, além da isenção sobre dividendos pagos a pessoas físicas - uma prática mantida pelo Brasil, mas já abandonada pela maioria dos países da OCDE. Vizinhos como Chile, Colômbia e México já passaram a cobrar imposto sobre lucros distribuídos aos acionistas, com compensações parciais do tributo pago pelas empresas.

O estudo é o primeiro de uma série dedicada à justiça tributária e é divulgado no momento em que tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL) que prevê isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais e para aqueles que ganham acima de R$ 100 mil por mês ou mais que R$ 1,2 milhões por ano.

IR:

Gobetti defende que, para além de mudanças na tabela do IRPF, é preciso encarar "brechas" que comprometem a progressividade do sistema tributário brasileiro e geram grandes perdas de arrecadação.

Distorções nos regimes especiais

O estudo detalha a forma como o imposto é calculado nos regimes do Simples e do lucro presumido. Nessas modalidades, o IRPJ e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) incidem sobre o faturamento, e não sobre o lucro real das empresas.

Segundo Gobetti, isso permite que empresas com margens de lucro muito diferentes paguem o mesmo imposto. Na prática, beneficia quem lucra mais e investe menos, diz:

— Pense em dois empresários que faturam R$ 1 milhão cada. Enquanto o empresário empreendedor que está investindo e contratando pessoal está gastando R$ 500 milhões, aquele "não inovador" está gastando R$ 100 mil. O lucro do empreendedor é R$ 500 mil, e o do outro R$ 900 mil. Mas ambos pagam o mesmo imposto — exemplifica. — O sistema atual beneficia quem não arrisca.

Pressão dos preços:

Outra problemática é que o lucro presumido costuma ser bem menor do que o lucro real. Com base em dados da Receita Federal, o estudo mostra que, entre 2015 e 2019, o percentual médio de presunção do lucro no regime presumido foi de 15,8%, enquanto a Receita apurou um lucro efetivo médio de 30,4%.

Só essa diferença gerou uma renúncia estimada de R$ 115,9 bilhões em 2019. No caso do Simples, a perda foi de R$ 87,7 bilhões no mesmo ano.

Lula pede respeito a Trump:

A pesquisa também aponta que o fato de as empresas enquadradas no Simples serem pequenas ou médias não impede a capacidade contributiva dos sócios. Mais da metade dos dividendos pagos por empresas do Simples (hoje isentos de tributação) são destinados a sócios com rendimento anual superior a R$ 662 mil.

— É preciso resgatar a vocação original do Simples, que era proporcionar a simplificação e não uma vantagem.

Embraer, produtores de laranja e frigoríficos:

Ele continua:

— Não precisamos mudar a regra do IRPJ, mas por meio da tributação da pessoa você ameniza essa distinção de tratamento. Pelo menos, quando o lucro é transferido na forma de dividindo, o empresário paga imposto. Essa tributação sobre dividendos pode funcionar como um equalizador.

Disfunções no lucro real

Mesmo entre empresas que se enquadram no lucro real, que deveriam estar sujeitas à alíquota nominal de 34%, o estudo aponta distorções. Entre 2016 e 2019, a carga efetiva média paga por empresas não financeiras foi de 24,3%. A diferença acaba acontecendo por causa de mecanismos legais que permitem descontos, compensações e deduções.

O Juros sobre Capital Próprio (JCP) é um dos pontos destacados pelo economista, que vê no enxugamento do benefício uma abertura de espaço para redução das alíquotas de IRPJ e CSLL, ao mesmo tempo em que tornaria a carga mais equilibrada entre as empresas. Segundo o estudo, essa dedução representa uma perda de receita de R$ 24 bilhões por ano.

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Ele explica que a medida foi criada para garantir neutralidade entre investimentos com capital próprio e financiamentos via dívida, mas países europeus que adotavam o mecanismo perceberam baixo efeito prático e alto custo fiscal. Por isso, passaram a restringir a dedução apenas a novos investimentos, e não ao capital total já existente, como ainda faz o Brasil.

Possível ganho de receita de R$ 11 bi anuais

Já que mexer nos regimes especiais é um desafio político, o estudo apresenta alternativas mais viáveis no curto prazo. Uma delas é alinhar o percentual de presunção do IRPJ ao da CSLL, passando de 8% para 12%. Essa mudança, segundo Gobetti, poderia gerar R$ 11 bilhões a mais por ano em arrecadação aos cofres públicos.

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No caso do juro sobre capital próprio, o economista sugere limitar a dedução apenas sobre novos aportes de capital, ou restringir a dedução de despesas com juros.

Isso permitiria recuperar parte da arrecadação sem prejudicar investimentos produtivos, ao mesmo tempo em que tornaria o sistema menos sujeito a distorções.

Governo pode arrecadar mais com petróleo

Para o setor petroleiro, em específico, o economista propõe a criação de uma alíquota adicional de contribuição social sobre lucro líquido a ser aplicada em momentos de alta no preço do barril, quando supera a média histórica de US$ 70. As alíquotas poderiam variar entre 10%, 15% e 20%.

Gobetti sugere que o país se espelhe num modelo já imposto pela Inglaterra, que adotou o mecanismo de “windfall tax”, uma espécie de tributo sobre lucros extraordinários para o setor que se beneficia de choques de mercado.

Imposto de Renda 2025:

Segundo ele, mesmo que o aumento do preço do barril represente um aumento dos custos às empresas, os retornos do setor permanecem altos. Na faixa de US$ 45 a US$ 60 por barril, as empresas do setor já obtêm ganhos de pelo menos 10% sobre o capital investido.

— Poderíamos arrecadar uns R4 10 a R$ 20 bilhões por ano a mais, como países desenvolvidos já fazem. (...) É uma renda que deveria estar sendo absorvida pela sociedade já que se trata de um recurso finito.

Ele calcula que em situações extremas, em que o preço do petróleo chegue a US$ 100, como ocorreu em 2022, o imposto adicional reduz a taxa de retorno de 35,7% para 29,1% sob contratos de concessão e de 24,9% para 20,2% sob contratos de partilha.

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