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Canabidiol tem potencial para ajudar crianças com autismo, mas ainda faltam pesquisas, aponta estudo

Testes clínicos com 30 meninos encontraram benefícios modestos e sinalizaram necessidade de estudos maiores para confirmar efeito do tratamento

Por Agência O Globo - 24/06/2025
Canabidiol tem potencial para ajudar crianças com autismo, mas ainda faltam pesquisas, aponta estudo
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O canabidiol (CBD) é uma das 500 substâncias presentes na planta Cannabis sativa. De modo diferente do tetrahidrocanabinol (THC), o CBD não tem efeitos psicoativos e é o composto mais utilizado quando se fala em Cannabis medicinal – o uso terapêutico da planta.

Embora não consiga curar nenhuma doença, o CBD é muito usado hoje no auxílio do tratamento de uma série de condições médicas. Em alguns casos, embasado por uma robusta evidência científica, como de algumas epilepsias resistentes. Já em outros, ainda sem bons estudos que garantam uma eficácia e segurança.

É o caso de alguns diagnósticos neuropsiquiátricos, como o transtorno do espectro autista (TEA). As principais diretrizes médicas reconhecem que ainda falta evidência para a indicação a esses pacientes, mas muitos pais relatam benefícios no uso com seus filhos.

Um novo estudo, publicado na revista científica Journal of Autism and Developmental Disorders, aponta que há de fato um potencial que vale a pena ser explorado, mas que faltam pesquisas mais abrangentes para reconhecer o uso do CBD para crianças autistas.

Os pesquisadores do Centro de Pesquisa em Cannabis Medicinal da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, explicam que não há grandes estudos clínicos sobre o tratamento, ou seja, que tenham separado os voluntários em dois grupos para que um recebesse CBD, e o outro, um placebo.

Esse é o principal tipo de pesquisa para avaliar a eficácia de tratamentos e uma evidência indispensável para que novos medicamentos sejam indicados. Por isso, os cientistas americanos conduziram um estudo clínico com 30 meninos de 7 a 14 anos que tinham com sintomas comportamentais graves.

Eles foram divididos em dois grupos. Durante oito semanas, o primeiro recebeu o Epidiolex, um medicamento oral à base de canabidiol aprovado nos EUA para tratamento de convulsões associadas à síndrome de Lennox-Gastaut (SLG), de e por esclerose tuberosa. A dose do remédio usada no estudo foi de até 20 mg por quilo a cada dia.

O segundo grupo recebeu placebo. Os voluntários não sabiam em qual grupo estavam, no que é chamado de estudo duplo-cego, para evitar que os resultados fossem enviesados. Depois da primeira fase, os grupos foram invertidos e acompanhados por um novo período de oito semanas – com um intervalo de quatro semanas entre as duas etapas.

O comportamento dos participantes foi avaliado de duas formas depois de cada etapa: por médicos e por meio de questionários referentes a duas escalas de comportamento. Os pesquisadores observaram que o canabidiol foi bem tolerado e considerado seguro, sem efeitos adversos graves.

Além disso, aproximadamente dois terços (68%) dos participantes apresentaram melhora clínica com o CBD nas avaliações feitas pelos clínicos que atenderam as crianças semanal ou quinzenalmente durante o estudo.

“As reduções nos comportamentos agressivos e na hiperatividade foram observadas com mais frequência, com melhorias na comunicação sendo observadas em quase 30%. Como muitos dos participantes não falavam no início do estudo, essa foi uma mudança notável, com várias das crianças começando a usar palavras pela primeira vez”, escrevem os autores no estudo.

Numa das escalas utilizadas, a que examina a frequência e a gravidade de comportamentos repetitivos e restritos, os pesquisadores também observaram que a melhora foi quase duas vezes maior no grupo que recebeu o CBD do que no grupo placebo. Porém, como também foi notada uma melhora entre os que receberam placebo, essa diferença não foi o suficiente para alcançar relevância estatística.

“O fato de ambos os grupos terem melhorado demonstra o efeito placebo, mas o grupo do CBD melhorou quase duas vezes mais do que o grupo do placebo, sugerindo que, em um grupo de estudo maior, as diferenças teriam sido mais óbvias”, sugerem os cientistas.

Além disso, quando analisados os resultados da segunda escala, que avaliou problemas comportamentais de modo geral, o estudo não encontrou “efeitos significativos” do tratamento com o canabidiol, “sugerindo que não há benefício global do CBD no tratamento de meninos com autismo e problemas comportamentais graves”.

Os pesquisadores afirmam que os resultados pouco relevantes nas escalas podem ter sido não pelo canabidiol ser ineficaz, mas pelo fato de ter sido um estudo pequeno: “como o número de participantes era modesto, as medidas escolhidas provavelmente não eram suficientemente sensíveis para identificar diferenças entre os grupos”.

Em nota, eles resumem que “as descobertas do estudo sugerem que, embora o CBD possa ter alguns benefícios na redução de comportamentos problemáticos em crianças autistas, sua eficácia não está universalmente estabelecida, e mais pesquisas são necessárias para entender completamente seu potencial terapêutico”.

Hoje, os usos do CBD com comprovação científica extensa de benefício são restritos a epilepsias infantis provocadas pelas síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut; para o alívio de dores crônicas, náuseas e vômitos provocados pelo tratamento do câncer e para melhora da espasticidade – aumento involuntário da contração muscular característico da esclerose múltipla.