Notícias

Na contramão do país, AL tem queda de processos por posse de drogas de uso pessoal

Entre 2022 e 2023, volume de processos novos sobre o assunto diminuiu 55,9%; já no Brasil, o percentual aumentou em 12%

Por Assessoria 26/07/2024
Na contramão do país, AL tem queda de processos por posse de drogas de uso pessoal
Justiça (Foto: Reprodução/internet)

De acordo com dados inéditos extraídos do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o número de novas ações na Justiça relacionadas à posse de drogas para consumo pessoal diminuiu 55,9% em Alagoas entre 2022 e 2023. Trata-se de um percentual abaixo do índice nacional, que aumentou 12,45%.

O volume de processos novos nesse período sobre o assunto no estado variou de 34 a 15. E ao menos entre janeiro e abril de 2024, o acumulado no ano era de 10 casos novos. Já a variação no Brasil entre 2022 e 2023 foi de 130.034 para 146.228. Em 2024, até o mês de abril, o volume já havia chegado em 44.228 novos processos.

O montante de ações diz respeito ao registro processual "Posse de Drogas para Consumo Pessoal", referente ao código 5885. O CNJ também conta com o registro "Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar" relacionado ao código 11.207. Em meio aos debates no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Congresso Nacional sobre a melhor forma de diferenciar a posse do tráfico da maconha, o próprio sistema judicial também não faz a separação por completo ao catalogar as novas ações que surgem no Judiciário sobre as drogas.

O registro relacionado apenas à posse de drogas é o 7º tema penal no Brasil com o maior número de novos processos em 2023. Nesse ano em questão, o estado de Minas Gerais foi responsável pela maior fatia no país de novos casos registrados como posse de drogas. Trata-se de 45 mil processos dentro do universo de 146 mil em todo o país. E entre janeiro e abril de 2024, 13 mil novos casos já tinham sido registrados nos tribunais mineiros. Em todas as unidades federativas, de um modo geral, a tendência é de alta.

O estado com o maior aumento entre 2022 e 2023 no total de ações ingressadas é o de Tocantins, com uma elevação de 699 para 1.584 e uma variação de 126%. Entre janeiro e abril de 2024, o sistema judicial do estado já havia registrado 818 ações novas. O Piauí teve a maior alta percentual, de 600%, com a elevação de 90 para 630 novos casos de 2022 para 2023. Até abril de 2024, 428 processos sobre o assunto já haviam surgido. O estado de Pernambuco registrou uma queda de 94% entre 2022 e 2023, com a variação de 360 para 20 novos casos. Entre janeiro e abril de 2024, apenas 5 processos novos haviam surgido.

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, o fato de o STF não ter estabelecido um critério preciso para a diferenciação da posse e do tráfico de maconha faz com que siga em uma tendência de alta a quantidade de novos processos relacionados à posse de drogas. “O julgamento no final de junho estabeleceu apenas a quantidade como critério objetivo, sem tocar na circunstância de histórico de usuário, tipo de substâncias ou mesmo a forma de acondicionamento. Uma vez que muitas autoridades policiais têm o entendimento que caso a substância esteja fracionada configura tráfico e não posse, o que é absurdo, pois o entorpecente é comprado ou adquirido de forma fracionada”, afirma Samantha Aguiar, advogada criminalista do escritório VLV Advogados.

O entendimento do Supremo foi de que a posse de drogas pode ser considerada uma infração administrativa. Já na Câmara dos Deputados, tramita a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 34/23 que busca incluir a criminalização das drogas no artigo 5º da Constituição. Apesar dela já estar prevista na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), o novo texto deixa claro que não há possibilidade de flexibilização.

Para a criminalista, a proposta tem fins políticos e está desprendida da realidade. “A bem da verdade, parece mais perseguir o usuário do que de fato um combate ao tráfico de drogas. Não há qualquer elemento normativo de combate ao tráfico, mas de criminalizar o usuário. Também não há qualquer informação de avanço a políticas públicas para cuidar e acolher quem desejar ser acolhido para tratamento. Sequer temos unidades de tratamento adequadas no país. O tratamento público é feito pelo CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e precário tanto em estrutura quanto como objetivo final de que essa pessoa não venha a ter uma recaída”, critica.

Na opinião do advogado criminalista Carlos César Coruja Silva, do escritório Carlos Coruja, a falha do STF e do Congresso em buscar reduzir o volume de processos em tramitação relacionado às drogas gera uma sobrecarga no sistema judicial e insegurança jurídica. “A variação no número de processos entre estados sugere diferenças na aplicação da lei e na política de drogas, o que pode levar a tratamentos desiguais de casos semelhantes em diferentes regiões do país”, acrescenta.


Questão social e segurança pública

Outro ponto abordado pelos especialistas frente ao aumento no número de processos novos na Justiça é que a criminalização da posse de drogas leva à estigmatização dos indivíduos, especialmente daqueles das classes sociais mais baixas. A distinção entre usuário e traficante nem sempre é clara na prática jurídica e muitas vezes depende de decisões tomadas de forma individual pelas autoridades policiais. Isso pode resultar na criminalização excessiva de pessoas que são apenas usuárias.

E a falta de critérios objetivos resulta em consequências maiores para uma fatia da população. “A aplicação das lei de drogas no Brasil afeta desproporcionalmente negros e pobres”, critica a advogada Vanessa Avellar Fernandez, pós-graduada em Prática Penal e Direito Penal Econômico. Para a especialista, essa dificuldade na diferenciação no uso pessoal e tráfico leva a um viés racial e socioeconômico na aplicação da lei. “Jovens negros de periferias são frequentemente alvos de operações policiais, reforçando ciclos de marginalização e exclusão social”, avalia.

O advogado Carlos Coruja acrescenta que a solução para esse problema não deve envolver apenas o aspecto legal. A Justiça e os legisladores deveriam estar atentos às consequências sociais e à saúde pública. “É necessário um diálogo aberto e inclusivo que considere as diversas perspectivas e experiências, buscando soluções que minimizem os impactos negativos e promovam uma abordagem mais humanitária e eficaz no tratamento do uso de drogas”, frisa.

Para Matheus Lima, advogado criminalista do escritório Lima Ferreira Advogados, o ideal é que o foco na saúde pública tomasse o lugar da ideia de que deve ser promovida uma guerra contra as drogas. “Obviamente, há a necessidade de combater o tráfico, conforme determinou o legislador. Entretanto, o mero usuário é mais uma vítima dos efeitos da droga do que uma ameaça à sociedade. Por isso, entende-se que seria necessário focar as atenções nos traficantes, daí a importância da diferenciação”, finaliza.