Por Ana Beatriz Rodrigues e Marcus Toledo

Bem-vindos à cidade de Jacarecica

Força do empreendedorismo transforma um residencial numa área de intenso comércio, digno de muitos municípios deste país

A foto que ilustra esta reportagem é uma montagem, mas que bem poderia ser real. A “cidade de Jacarecica” não existe, mas os moradores do residencial contam hoje com uma infraestrutura de dar inveja a muitas localidades. Graças à força do empreendedorismo, um “habitante” local pode sair de casa e, a poucos metros, comprar pão e leite, fazer a feira do mês, ir à farmácia, levar o filho à escola, caprichar no visual e ainda reformar aquela roupa que não está caindo bem.

O cardápio de opções conta ainda com restaurantes, casa de festas, hortifrutis, lojas que vendem de tudo, depósitos de bebidas, oficinas e lava-jato. Um comércio de fôlego, e que não para de crescer. “Aqui a gente compra quase tudo. Passo muito tempo sem precisar ir ao Centro, sem pegar ônibus ou Uber. Tudo está pertinho de casa”, afirma Maria Cristina Dantas, moradora do conjunto há 40 anos.

A instalação destas pequenas empresas acompanha a história de Jacarecica desde cedo. O residencial foi construído na metade dos anos 1970 por uma cooperativa imobiliária, que logo depois faliu. As 167 casas, com dois ou três quartos, ficaram vazias durante quase cinco anos, cobertas pelo mato. Só em 1979 os primeiros moradores começaram a chegar àquela região remota, à beira mar. No início, não havia nem ponto de ônibus, e quem escolheu morar lá sabia que viveria isolado por algum tempo. “As pessoas perguntavam pra gente por que escolhemos morar tão longe de tudo. E só estamos a 13 quilômetros do Centro”, relembra Fernando Baracho, presidente da Associação de Moradores e um dos primeiros “habitantes” do conjunto.

Já nos primeiros anos de vida, o conjunto, que deveria ser apenas residencial, ganhou seus primeiros estabelecimentos: a padaria Santa Luzia, uma farmácia e um mercadinho. As lojas eram adaptadas nas próprias casas, ocupando o lugar do jardim, de cômodos e principalmente da garagem. Carlos Alberto Pereira, conhecido na área com Pio, teve a sorte de morar numa residência de esquina, muito bem localizada. O resultado: a casa deu lugar a quatro estabelecimentos comerciais.Foi assim em 1982, é assim até hoje.

“Eu queria construir algo para mim, mas sem ser o dono da empresa. Um belo dia, ao voltar de Londres, local em que passei alguns anos trabalhando, resolvi investir em aluguéis. Minha casa é de esquina, dividi ela e hoje tenho quatro pontos comerciais aqui e outros dois do outro lado, em uma casa que comprei há alguns anos atrás, também de esquina”, afirma.

Novas oportunidades 

O surgimento de novos estabelecimentos deu uma acelerada quando uma nova “cidade” começou a ser construída bem perto. Em 1985, o conjunto Alfredo Gaspar de Mendonça, financiado pelo extinto Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado de Alagoas (Ipaseal) – chegava com 785 apartamentos e cerca de 1.700 moradores.

A demanda cresceu, e os moradores e microempreendedores perceberam isso rapidamente. Segundo a geógrafa e professora da UFAL, Luciane Marisco, Maceió já dava sinais de crescimento urbano voltado para a orla desde a década de 80, com uma expansão notável em direção à região norte - Cruz das Almas e a própria Jacarecica. Para a especialista, o fenômeno ocorrido na região norte é denominado verticalização da cidade, o que consequentemente gera uma demanda por serviços, impulsionando a presença de diversos tipos de negócios, especialmente mercadinhos, padarias e farmácias.





"Quando uma área próxima da praia cresce, geralmente atrai pessoas de classe média alta, as quais trazem consigo uma maior oferta de serviços e negócios para atender às necessidades locais. Isso se verifica em locais como Jacarecica: mais pessoas se mudam para lá, promovendo a abertura de novos estabelecimentos e serviços. Esse movimento atrai mais investimentos e residentes, gerando um ciclo de crescimento contínuo", comenta a professora.

Na metade dos anos 1990, um terceiro conjunto chegou à região: o Residencial Jacarecica, financiado pela Caixa, com 20 blocos e 16 apartamentos cada. Mais gente morando, mais gente comprando. “A chegada dos dois conjuntos foi o primeiro grande movimento de atração de novos estabelecimentos comerciais aqui. Rapidamente as casas passaram a abrigar vários tipos de comércio”, diz Baracho.

A transformação do conjunto trouxe uma maior circulação de dinheiro no bairro. Para o analista de Relacionamento Empresarial do Sebrae Alagoas, Gilson Borges, os negócios desempenham um papel crucial na capilaridade do comércio e do varejo, contribuindo para a geração de riquezas e o impulsionamento econômico da região. “Pequenos negócios fomentam o desenvolvimento local ao criar empregos, promover a circulação de dinheiro na comunidade e oferecer bens e serviços que atendem às necessidades específicas dos moradores. Além disso, fortalecem o tecido social ao estreitar os laços comunitários e incentivar a sustentabilidade econômica no longo prazo”, afirma Gilson.



Túlio Calado é um ótimo exemplo. Se formou em Administração, e o irmão, Bruno, em Educação Física. Decidiram, então, unir os conhecimentos da faculdade e criar a própria empresa, a academia Ophicina do Corpo. “Nossa formação foi o que mais influenciou na ideia de criação da academia. A academia propiciou um projeto da família de ter seu próprio negócio, unindo uma coisa que gostamos de fazer a uma necessidade que existia no nosso bairro, de um espaço para a prática de atividades físicas, principalmente a musculação, visto que naquela época quase não existiam essas redes de academias que apareceram nos últimos anos”, relembra Túlio.

Os amigos de bairro foram os primeiros clientes, mas o público cresceu ao longo dos anos e a Ophicina do Corpo, que nasceu em 2008, continua a todo o vapor até os dias de hoje. “Apesar das dificuldades, a academia ainda tem sido a principal fonte de sustento da família”, explica. Os novos tempos obrigaram a família de empreendedores a se adaptar. “Meu pai e meu irmão estão hoje mais à frente. Além deles, temos outro educador físico e uma pessoa para fazer a limpeza sempre que precisa. Após a pandemia, optamos por manter apenas a musculação e eliminamos as outras aulas que existiam, como dança, jump e ginástica localizada”.


Empresas são instaladas onde os clientes estão

Como acontece em várias cidades, o comércio do Conjunto Jacarecica se estabeleceu principalmente às margens de uma rodovia. A AL 101 norte, uma via que ao longo dos anos viu o movimento de carros aumentar exponencialmente, leva e traz moradores de muitos bairros do litoral norte e também da parte alta da cidade. E o melhor: uma parte deles para às margens da rodovia para fazer compras. “O movimento aqui sempre foi bom, mas depois desses conjuntos e graças a essa rodovia, não faltam clientes”, comemora Amélia Barros, da padaria Dona Amélia, que substituiu a antiga Santa Luzia. “Com esses edifícios novos, construídos logo após o conjunto, a situação só melhorou”. Amélia se refere a condomínios como Evolution e Lanai Beach, erguidos recentemente no bairro.

Hoje, quem passa pela AL 101 Norte se surpreende com o número de lojas e a variedade do comércio. São 28 estabelecimentos comerciais apenas na parte da frente do conjunto, que vão de salão de festas a estúdios de tatuagens, passando por farmácia, a padaria de Dona Amélia, bares, mercearias, o Galetiza, salão de beleza, oficina de motos e depósito de bebidas.


O segundo “boom” de novos estabelecimentos comerciais se deu em meados de 2015, quando foi inaugurada a avenida Pontes de Miranda, ligando o bairro de Cruz das Almas à avenida Litorânea, já dentro do conjunto. A Litorânea era praticamente uma via de circulação local, e de uma hora pra outra, viu o fluxo de veículos aumentar. Um dos reflexos foi o crescimento no número de bares e restaurantes, que aproveitam o visual deslumbrante da orla e o clima convidativo para atrair clientes. O aumento na quantidade de automóveis também foi responsável pelo surgimento de, ao menos, 20 estabelecimentos - alguns já fechados -, inclusive em vias que tinham pouco movimento. Um bom exemplo é a rua Fiscal Vera de Mello, que liga a avenida Litorânea à AL 101 Norte, que ganhou lava a jato, empório, barbearia e oficina de motos.

De acordo com um artigo divulgado pela revista Pequenas Empresas e Grandes Negócios em novembro de 2020, os aspectos mais relevantes que atraem os consumidores aos negócios de bairro são:

O comércio da “Cidade de Jacarecica” ganhou o reforço dos empreendedores da subida da ladeira, como são conhecidos os comerciantes que se estabeleceram na avenida Pierre Chalita, na lateral do Alfredo Gaspar de Mendonça. São 14 estabelecimentos de pequeno, médio e grande portes. Já em frente ao Residencial Jacarecica, aquele da Caixa, tem dois.

Renovação e expectativas para o futuro – Como é natural em toda a cidade, Jacarecica registrou ao longo do tempo a abertura e o fechamento de várias empresas. Estão na memória dos moradores a lojinha dos Correios do seu Nestor, a barraca Tropicana de dona Magnólia, o barzinho do Pascoal e a Pizzaria La Mama, do Hugo. Por outro lado, o sonho de empreender continua vivo na cabeça de muita gente.

É o caso da Maria Edilene, de 42 anos, que está prestes a abrir sua lojinha de moda íntima num ponto movimentadíssimo, bem pertinho da padaria Dona Amélia. “Passei grande parte da minha vida sendo sacoleira. Observei que várias pessoas estavam abrindo lojas e negócios em frente à minha casa, e pensei: por que não? Moro no bairro há algum tempo, alguns vizinhos já me conhecem, vou ter meus clientes certos e conquistar outros que passam por aqui”, diz, confiante. “Estou com esperança e desejo de trabalhar, e sei que vou conseguir meus objetivos”, resume Edilene, com o espírito e a vontade dos verdadeiros empreendedores.