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Membro da ABL, Cacá Diegues levou para a tela obras icônicas da literatura
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Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), para onde foi eleito em 30 de agosto de 2018, o cineasta alagoano Cacá Diegues levou para as telas duas grandes obras de literatura Brasileira. A primeira delas, “Tieta do Agreste”, de 1996, é baseada no romance homônimo de Jorge Amado e traz atores como Sônia Braga (no papel-título), Marília Pêra, Cláudia Abreu, Zezé Motta, Jece Valadão e Chico Anysio.
Com trilha sonora composta por Caetano Veloso – ele próprio interpreta “Luz de Tieta” em um dueto com Gal Costa – o filme chegou a ser selecionado para representar o Brasil como Melhor Filme Estrangeiro na 69ª edição do Oscar, mas não chegou a ser indicado.
Mais de duas décadas depois, o cineasta voltaria a se valer da literatura para lançar “O Grande Circo Místico” (2018), baseado no poema homônimo do também alagoano Jorge de Lima. Os versos – que fazem parte do livro “A túnica inconsúltil”, de 1938 – chegaram a ganhar adaptação para o teatro em 1983 e 2002, com o balé do Teatro Guaíra (PR), com direito a trilha sonora de Chico Buarque e Edu Lobo.
O filme narra a história do amor entre um aristocrata e um acrobata, que acabariam fundando a dinastia do Grande Circo Knieps. “Eu não costumo fazer filme baseado em livro. Primeiro porque ou o livro é ruim e eu não gosto ou é muito bom e eu tenho medo de estragá-lo”, brinca, para justificar a lacuna. “Mas sempre quis fazer um projeto com o Jorge [de Lima] e decidi fazer esse”.
A relutância de Cacá Diegues para adaptar uma obra literária para o cinema tem uma razão de ser. Ele acredita que há livros tão bons que ficam difíceis de adaptá-los. “Nunca ninguém conseguiu adaptar [Marcel] Proust direito. Não existe um filme proustiano, porque ele é muito literário. Existe um filme baseado em [James] Joyce [“Bloom”, produção irlandesa de 2003, dirigida por Sean Walsh e baseada em “Ulisses”] que é péssimo, por exemplo. É muito difícil”, contaria.
“A única adaptação literária que eu fiz [até então] foi ‘Tieta’, justamente porque Jorge Amado me convidou para fazer o filme. E quem sou eu para recusar um convite de Jorge Amado? Mas é muito difícil você pegar 700 páginas de um romance – como tem o ‘Tieta’ – e transformar num roteiro de cem, 120 páginas. Eu acho que ‘Tieta’ se manteve fiel, não necessariamente à narração do romance, mas ao espírito de Jorge Amado. Acho que ‘Tieta’ é um filme amadiano, e isso já me satisfaz”, justificaria.
Ele diria que adaptar um poema – no caso de “O Grande Circo Místico” – muito mais fácil. “Embora o poema seja longo – deve ter o quê? 30 versos. Trinta versos você transforma num roteiro de cem páginas. Aí você tem que esticar, é muito mais fácil”, contaria.
Leia abaixo o poema “O grande circo místico”, do alagoano Jorge de Lima
O médico de câmara da imperatriz Teresa – Frederico Knieps –
resolveu que seu filho também fosse médico,
mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,
com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps
de que tanto se tem ocupado a imprensa.
Charlote, filha de Frederico, se casou com o clown,
de que nasceram Marie e Oto.
E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora
que tinha no ventre um santo tatuado.
A filha de Lily Braun – a tatuada no ventre
quis entrar para um convento,
mas Oto Frederico Knieps não atendeu,
e Margarete continuou a dinastia do circo
de que tanto se tem ocupado a imprensa.
Então, Margarete tatuou o corpo
sofrendo muito por amor de Deus,
pois gravou em sua pele rósea
a Via-Sacra do Senhor dos Passos.
E nenhum tigre a ofendeu jamais;
e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos,
quando ela entrava nua pela jaula adentro,
chorava como um recém-nascido.
Seu esposo – o trapezista Ludwig – nunca mais a pôde amar,
pois as gravuras sagradas afastavam
a pele dela o desejo dele.
Então, o boxeur Rudolf que era ateu
e era homem fera derrubou Margarete e a violou.
Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.
Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do Grande Circo Knieps.
Mas o maior milagre são as suas virgindades
em que os banqueiros e os homens de monóculo têm esbarrado;
são as suas levitações que a platéia pensa ser truque;
é a sua pureza em que ninguém acredita;
são as suas mágicas que os simples dizem que há o diabo;
mas as crianças crêem nelas, são seus fiéis, seus amigos, seus devotos.
Marie e Helene se apresentam nuas,
dançam no arame e deslocam de tal forma os membros
que parece que os membros não são delas.
A platéia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.
Marie e Helene se repartem todas,
se distribuem pelos homens cínicos,
mas ninguém vê as almas que elas conservam puras.
E quando atiram os membros para a visão dos homens,
atiram a alma para a visão de Deus.
Com a verdadeira história do grande circo Knieps
muito pouco se tem ocupado a imprensa.